Crónica do Festival – Parte V

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Cristéle Alves Meira e Duarte Pina

No que toca a esca­la, o ima­gi­ná­rio dos cine­as­tas sem­pre se viu limi­ta­do ao orça­men­to e não há cam­po que sofra tan­to isso como o da fic­ção fan­tás­ti­ca. Tra­ta-se de pro­jec­tos cuja pro­pen­são envol­ve à par­ti­da ambi­ci­o­sos efei­tos visu­ais, tal como man­da e man­da­ta a regra dos block­bus­ters ame­ri­ca­nos ou asiá­ti­cos des­de a déca­da de 50. Infe­liz­men­te, os limi­tes do Ins­ti­tu­to do Cine­ma e Audi­o­vi­su­al ou seme­lhan­tes ins­ti­tui­ções de apoio finan­cei­ro não per­mi­tem tal empre­en­di­men­to visu­al a nível naci­o­nal. Ou sequer europeu.

Aliás, foi no velho con­ti­nen­te que se ori­gi­nou um espé­ci­me cine­ma­to­grá­fi­co que pega nas trans­cen­dên­ci­as des­se fan­tás­ti­co e mol­da as mes­mas em tor­no da intros­pec­ção huma­na, de modo a fas­ci­nar em pri­mei­ro pla­no a alma e não tan­to a visão, embo­ra este últi­mo sen­ti­do não seja de todo igno­ra­do. O cine­ma oriun­do da então União Sovié­ti­ca foi noto­ri­a­men­te o pri­mei­ro a enve­re­dar por tal abor­da­gem mais filo­só­fi­ca. Com efei­to, foram auto­res do outro lado da cor­ti­na de fer­ro como Karel Zeman ou Andrei Tar­kovs­ki que revo­lu­ci­o­na­ram a esté­ti­ca esti­mu­lan­te da 7ª arte a cadên­ci­as mais minimalistas.

Segue-se pois a déca­da de 80, em que o cine­ma a nível glo­bal, temen­do um futu­ro sem recur­sos mone­tá­ri­os, come­ça-se afas­tar dos visu­ais futu­ris­tas e tec­no­ló­gi­cos e a explo­rar pre­ci­sa­men­te os con­cei­tos fata­lis­tas da dis­to­pia pós-apo­ca­líp­ti­ca. Tais temá­ti­cas acor­dam com os temo­res que se viven­ci­a­vam do holo­caus­to nucle­ar e do ser huma­no que, peran­te um mun­do devas­to, se vê redu­zi­do à sua deter­mi­nan­te con­vic­ção sur­vi­va­lis­ta. Embo­ra popu­la­ri­za­do pela fran­quia “Mad Max” do aus­tra­li­a­no Geor­ge Mil­ler, mui­tos outros auto­res como Luc Bes­son (em “O Últi­mo Com­ba­te”) ou Andr­zej Zulaws­ki (com “On the Sil­ver Glo­be”) deram segui­men­to a cená­ri­os dis­tó­pi­cos mais pau­ta­dos ou meditativos.

Já o ale­mão Wim Wen­ders, com a sequên­cia ini­ci­al de “O Esta­do das Coi­sas”, deu a conhe­cer ao mun­do o poten­ci­al pós-apo­ca­líp­ti­co das pai­sa­gens arcai­cas por­tu­gue­sas. Infe­liz­men­te, mui­tos auto­res naci­o­nais con­tem­po­râ­ne­os não têm dado segui­men­to a tal explo­ra­ção visu­al, tal­vez por fal­ta de inte­res­se em pro­je­tos de fic­ção pós-apo­ca­líp­ti­ca. “Ser­pen­tá­rio”, estreia aus­pi­ci­o­sa de Car­los Con­cei­ção no for­ma­to lon­ga-metra­gem, apa­ren­ta ser uma emo­ci­o­nan­te excep­ção à regra, dada a sua nota­bi­li­da­de na últi­ma edi­ção do Fes­ti­val Inter­na­ci­o­nal de Cine­ma de Ber­lim ao anga­ri­ar com­pa­ra­ções a nomes de cul­to como Kons­tan­tin Lopushansky, Nikos Niko­lai­dis ou Api­chat­pong Wee­ra­setha­kul, assim como alguns mais sonan­tes como Miche­lan­ge­lo Anto­ni­o­ni ou Jean-Luc Godard.

Sai­ba mais na seguin­te liga­ção: Cró­ni­ca do Fes­ti­val – Par­te V.